Palestino que trabalha em start up em Israel quer virar exemplo para compatriotas na Cisjordânia

Entre centenas de palestinos que faziam fila para atravessar um posto de controle israelense em uma segunda-feira recente, a maioria trajava roupas adequadas para trabalhos manuais. Mas havia pelo menos uma exceção marcante. Moha Alshawamreh, de 31 anos, vestia uma camisa abotoada até a gola e carregava um computador. Alshawamreh partia para uma firma de tecnologia de Tel-Aviv.

Alshawamreh, filho de um trabalhador diarista e uma dona de casa, é engenheiro de uma firma que usa inteligência artificial para melhorar sites de venda em varejo — um palestino que trabalham no setor da tecnologia em Israel, considerado um dos mais inovadores do planeta.

Ele chegou a essa empresa depois de uma notável sucessão de circunstâncias, incluindo encontros com um livro a respeito do Holocausto, uma faculdade do outro lado do mundo e um astro pop israelense.

Descoberta do Holocausto

Uma descoberta ao acaso, em Beersheba, muito tempo atrás, colocou Alshawamreh em sua atual trajetória. O pai dele, Meshref, de 63 anos, trabalha como diarista em Beersheba há anos. Um dia, cerca de 15 anos atrás, Meshref trouxe para casa um livro que tinha encontrado na cidade. Era “Em busca de sentido”, de Viktor Frankl — um relato da experiência do autor nos campos de concentração nazistas.

Alshawamreh, então adolescente, resolveu ler o livro. E descobriu mais do que esperava: ele soube da existência do Holocausto, um tema por vezes excluído ou minimizado pelo discurso palestino, além de lição de resiliência.

Por meio das palavras de Frankl, Alshawamreh concluiu que “cabe a nós decidir se queremos perecer em decorrência do nosso trauma ou atribuir-lhe significado e prosperar por causa dele”.

Alshawamreh afirmou que, subitamente, seus horizontes se expandiram. Antes ele tinha esperado simplesmente seguir os passos do pai, mas agora passou a sonhar com algo maior.

Alshawamreh conquistou uma bolsa de estudos em uma universidade da Malásia, onde adquiriu o primeiro diploma em ciência da computação. Então ele conseguiu outra bolsa, na Coreia do Sul, onde adquiriu fluência em língua coreana e mestrado em economia comportamental.

Apesar desse currículo, quando Alshawamreh voltou foi difícil encontrar emprego no minúsculo setor de tecnologia palestino.

Alshawamreh começou a considerar trabalhar em Israel. Apesar de ter crescido a poucas centenas de metros de Israel, ele só soube da reputação israelense de “Nação Startup” quando estudava na Coreia do Sul. Uma ideia surgiu: será que ele conseguiria encontrar trabalho em Tel-Aviv?

Então, em 2018, veio um avanço: Alshawamreh ganhou um estágio de três meses em uma empresa israelense que desenvolve tecnologias para rastreamento de câncer — e, com isso, a permissão de trabalho.

Encontrar emprego em tempo integral era difícil. Então, com sua permissão ainda válida, Alshawamreh se tornou estudante na Universidade de Tel-Aviv. Ele estudou para obter outro grau superior — um mestrado em administração de empresas, metade financiado pela faculdade, e viveu em Tel-Aviv.

Mas sem emprego, Alshawamreh teve dificuldade para pagar sua parte nas mensalidades e acabou suspenso na metade do curso. Ele mandou e-mails para dezenas de israelenses e palestinos proeminentes pedindo ajuda.

Um dos astros pop mais famosos de Israel, David Broza, escreveu de volta, inesperadamente. Comovido com as dificuldades de Alshawamreh, Broza o hospedou em sua casa e o ajudou a levantar dinheiro para as mensalidades da faculdade.

“Não tenho ideia do que me possuiu”, recordou-se Broza recentemente, “mas quando dei por mim eu tinha dado a chave da minha casa para ele”. Pouco depois, a suspensão de Alshawamreh foi revertida, o que lhe permitiu graduar-se com um MBA.

Alshawamreh finalmente encontrou um emprego em tempo integral no setor de tecnologia, na firma israelense Syte. O trabalho dele envolve conversar com clientes e resolver problemas em seus websites. Alshawamreh tem ambições maiores: espera um dia fundar um Uber palestino. Mas esse emprego é um começo.

A disposição de Alshawamreh em se envolver com israelenses certas vezes atraiu críticas de outros palestinos. Para os críticos, trabalhar na construção em Israel é aceitável, dado o alto desemprego na Cisjordânia. Mas colher os benefícios da vida corporativa de Tel-Aviv em sua visão é um passo exagerado. Eles acham que esses trabalhadores normalizam a situação por se envolver tão proximamente com israelenses.

Mas, na opinião de Alshawamreh, haverá pouco progresso na direção da paz se palestinos e israelenses não tratarem uns aos outros como parceiros. “Minha mensagem é que deveríamos aprender mais a respeito uns dos outros”, afirmou ele, “nos colocar no lugar do outro e perceber que somos dois povos traumatizados”.

A jornada dele já tocou colegas israelenses. “Isso é mais do que simplesmente ir trabalhar”, afirmou uma de suas colegas israelenses, Linda Levy, “ele me conscientizou a respeito de coisas que eu não tinha nem ideia que existiam em Israel”. 

FONTE: ESTADÃO/THE NEW YORK TIMES, TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Foto: Haley Black