Falar sobre a eficiência de Israel em aproveitar a água é chover no molhado. Mas, como em Israel a chuva é escassa, já que 50% do país é deserto, a repetição do assunto é sempre válida. Serve para mostrar que, para a sobrevivência do país, prevalece o conceito da utilização adequada da água.
Israel não tem rios caudalosos. Nem lagos volumosos. No entanto, o planejamento para preencher essas carências, como será apresentado na próxima Watec, uma das maiores feiras de água do mundo, faz, pela própria história do povo judeu, da luta constante o milagre da vida. Que possibilita, enfim, a Terra Santa emergir do ventre da terra seca.
A Watec (Water Technology & Environment Control), bianual, ocorrerá em Israel entre os próximos dias 12 e 14 de setembro. Numa prévia do que será a feira, a missão econômica de Israel no Brasil promoveu nesta terça-feira (13) uma apresentação, em São Paulo, de exemplos práticos ligados à eficiência tecnológica israelense. E que já está sendo usada em território brasileiro, no Nordeste inclusive, e no mundo. Em Cubatão, por exemplo, foi apresentado a uma comitiva um método israelense, utilizado por uma indústria local, para evitar perda de água e com isso reduzir custos. Algo semelhante é feito com a Sabesp, empresa de saneamento estadual paulista.
O cônsul de Israel para assuntos econômicos no Brasil, Boaz Albaranes, ressalta que todo esse processo vem, inicialmente, do fato de o país ter pouca água. No sul do Neguev, deserto ao sul de Israel, o índice pluviométrico chega a apenas 100 mm ao ano. E no Norte, onde há o maior índice pluviométrico, este chega a 811 mm, quase metade do registrado em média no Estado de São Paulo. Para tanto, o país desenvolveu uma tecnologia que já possibilita suprir a defasagem de 45% entre a água disponível e a que é consumida pelos israelenses.
— A tecnologia ajudou muito os israelenses a superarem o desafios da água. Israel é um país onde falta água, mas a água não falta para os israelenses.
Com estratégia, vinda basicamente da central responsável pela gestão da água, em todo o país, estabeleceu-se um preço relativamente alto para o consumo da água e a consciência de que cotas que forem ultrapassadas geram um custo para a família, dentro de uma cultura que evita o excesso. As crianças já são educadas nessa cultura e, muitas vezes, chegam a alertar os pais quanto ao consumo exagerado.
Albaranes conta que, além da tecnologia e de leis claras, o país se baseia em quatro frentes para trabalhar com a água. Sempre contando com a integração entre empreendedores (em Israel são criadas 1,3 mil start-ups por ano), governo e universidades.
— Temos atuado para desenvolver e exportar cada vez mais conhecimento em tratamento e reúso de água; gestão inteligente para evitar desperdício; dessanilização, que passou a ser desenvolvida há pouco tempo, em 2004; e irrigação por gotejamento, porque tanto a falta quanto o excesso de água são prejudiciais para a agricultura.
Para a feira, ele afirmou que o país está aberto a todos os interessados, entre eles empresários, agricultores, técnicos e profissionais ligados ao setor, que podem comparecer sem custo às exposições, inclusive as interativas, direcionadas de acordo com a área procurada: industrial, rural, etc…E entender como o país conseguiu fazer com que 70% do volume da água consumida nos lares seja dessalinizado. Ou que 100% da água usada na agricultura seja irrigada, para evitar desperdício, tendo uma única fonte de abastecimento.
— A feira tem uma característica própria, já que, além de expor as tecnologias em um centro de exposição, os participantes podem visitar, em locais por todo o país, centros de tratamento, autoridades do setor, universidades e instituições vinculadas a essa plataforma hídrica. Uma coisa é saber, outra é ver como tudo acontece e esse é o objetivo da feira. É uma ótima oportunidade para abrirmos as portas de todo esse setor hídrico para os interessados do mundo inteiro, inclusive do Brasil, que enviou cerca de 50 pessoas à última feira.
Muitos fatores levaram Israel a esse patamar. Um deles é a altíssima porcentagem de investimento do PIB (Produto Interno Bruto) em tecnologia, chegando a 4,3%, o mais alto do mundo. Mas, segundo conta Boaz, o sistema está longe de ser perfeito. O desperdício, mesmo em um limite baixo de 10,5% em média (contra 37% em locais de São Paulo, por exemplo), precisa chegar a pelo menos 5%. Em cidades como Tel Aviv, ele já está em torno de 7%.
Ideia inspiradora
De qualquer maneira, o país já está recebendo enormes dividendos com os recursos tecnológicos. Só em relação à água, eles já são responsáveis por até U$ 5 bilhões anuais, dentro de um PIB de US$ 291,1 bilhões, segundo Albaranes.
— Por causa do tamanho do país, a economia israelense é baseada em exportação.
Um ponto de partida para a descoberta do deserto foi a ideia de David Ben-Gurion, um dos principais inspiradores do Estado de Israel. Nos anos 50, ele já defendia o povoamento das terras áridas, para que o país entendesse que seria possível e importante viver e trazer a água para a região, por meio de tubulações.
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Por isso, Ben-Gurion foi morar no Neguev, no kibutz Sde Boker, fundado em 1952. Hoje a água está presente naquelas areias escaldades e bíblicas, que já sustentam vastas plantações pela superfície ressecada e quente. Albaranes conta que a iniciativa do estadista surtiu efeito.
— Ele mostrou que era possível morar no deserto. Foi uma iniciativa importante para ajudar a povoar o país e desenvolver novas tecnologias. Afinal, a necessidade é que faz o uso. Se tivéssemos um rio como o Amazonas, talvez o empenho em encontrar água não fosse o mesmo.
A atitude de Ben-Gurion, com isso, levou outras pessoas para lá. Novos kibutzim (cooperativas) foram fundados. E celebridades em busca de sossego foram morar na região. Uma delas é o escritor Amós Oz, que na brisa desértica se inspirou e desenvolveu histórias poéticas sobre o passado, o país, os homens e o tempo. Ben-Gurion e Oz puderam mostrar que, no deserto em Israel, tudo é possível. Até fluir a água ao lado da poesia.