Bar-El vive em Israel, mas passa cerca de três meses por ano no Ceará. Sua missão: impulsionar a inovação no Estado.
Raphael Bar-El é israelense nascido no Marrocos e formado, em parte, nos Estados Unidos. Mas a primeira palavra dita pelo seu filho foi em português, ou cearencês. Isso foi por volta de 1975, quando Bar-El veio ao Ceará pela primeira vez. Ficou dois anos trabalhando em projeto para o desenvolvimento do Nordeste. Hoje, seus dois filhos não lembram de nenhuma palavra aprendida no Brasil. Bar-El também havia esquecido, até que voltou ao Estado para um projeto do Governo Tasso, no ano 2000.
Há quatro anos, ele é consultor em inovação tecnológica da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec). Passa mais de três meses por ano em Fortaleza, entre idas e vindas de Tel-Aviv. Um diagnóstico: o Ceará tem vontade de inovar, mas tem medo. Afinal, a inovação requer fracasso. Mas, ele frisa, uma ideia que dá certo compensa tudo o que deu errado. Aí, os fracassos viram lições, histórias. E, aos 70 anos, lidando com gênios – como ele chama os inovadores – Bar-El tem muitas para contar.
O POVO – Como o senhor descobriu o Ceará? Ou foi descoberto?
Raphael Bar-El – (Risos) Fui descoberto. Em Israel, não tem muita gente que conhece o Ceará. A primeira vez que cheguei aqui foi há muito tempo, quando você ainda não tinha nascido, em 1975. Tinha um relacionamento entre o Banco do Nordeste (BNB) e um Instituto de pesquisa em Israel que tinha um projeto de desenvolvimento econômico regional. Eu vim para fazer uma pesquisa sobre a industrialização no Nordeste. Cheguei aqui com dois filhos pequenos, uma filha de três meses de idade e um filho com dois anos. Morei aqui entre 1975 e 1977. A primeira palavra do meu filho foi em português.
OP – O senhor voltou ao Ceará no Governo Tasso.
Bar-El – Foi no ano 2000. O Pedro Sisnando, que trabalhava no BNB naquela época, era secretário do Desenvolvimento Rural do Governo do Tasso Jereissati. Ele me chamou para analisar a desigualdade social no Interior. O Ceará tinha desenvolvimento econômico razoável, mas não ajudava em nada no combate à pobreza. Eu também trabalhei com o Carlos Matos, que foi secretário da Agricultura, e com a Mônica Clarck, secretária do Planejamento. Quando o Carlos Matos foi para a Fiec, ele me chamou. Estamos há quatro anos trabalhando em inovação.
OP – Sua formação é em Israel e nos Estados Unidos. Como aplicar esse conhecimento aqui – no desenvolvimento regional e, agora, em inovação?
Bar-El – Não é aplicado, é adaptado. Os meus conhecimentos são do Estado de Israel, onde fiz boa parte dos meus estudos. Depois, dos Estados Unidos, da Universidade de Cornell, que é muito conhecida pelo assunto do Desenvolvimento Regional. O desenvolvimento de Israel é muito relevante para análise da situação no Ceará, principalmente em termos de inovação. E muito dessa importância é em razão dos fracassos que aconteceram em Israel – o que pode parecer um pouco estranho. Israel tem muita experiência em inovação em varias regiões. Mas 80% dos projetos fracassam e cerca de 20% dão certo. Um projeto de inovação que deu certo agrega um ganho. Você aprende muito mais com os fracassos do que com o sucesso.
OP – A persistência é o segredo de Israel?
Bar-El – É, inovação é não ter medo dos fracassos. Falei com a pessoa que inventou o Pen drive, que é de Israel, Dov Moran. Pedi para ele vir a Fortaleza falar da experiência com o Pen drive, mas ele não chegou a vir. Quando pedi, ele disse que não vinha para falar do Pen drive, disse que queria falar dos seus fracassos (risos). Ele fracassou nuns quatro ou cinco projetos. Veja o Waze, que foi inventado por um grupo de cinco israelenses. É uma empresa que perde dinheiro. E foi comprada pelo Google por US$ 1,15 bilhão. Eles perderam aqui, perderam lá, mas tiveram sucesso. É uma inovação muito grande e pode ajudar o Google.
OP – Essa coragem de arriscar é uma característica do israelense?
Bar-El – Não. A coragem de tomar riscos não é característica de uma pessoa. Ninguém quer tomar riscos, mesmo em Israel. Uma pessoa, individualmente, não quer tomar risco. Mas, na macroeconomia, o Governo faz cálculos e vê que vale a pena correr riscos. O avanço da inovação necessita da intervenção do Governo. No Brasil existem programas, como da Funcap (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que ajudam as pessoas a correrem esses riscos, reduzindo as possibilidades de perder dinheiro. O Governo sabe que vale a pena. Quando tem um sucesso, ele recebe impostos de US$ 1 bilhão, como no caso do Waze.
OP – Não só Governo. Tem gente investindo nisso…
Bar-El – Hoje, tem muita gente fazendo esses cálculos, pensando como governo. São os fundos de capital de risco, venture capital. Ele dizem: “somos um grupo de cinco ou dez investidores, vamos agregar nosso capital, investir em vários projetos de inovação, sabemos que vamos perder em alguns, mas no final vamos chegar a um total”. Eles sabem que vão tomar risco, mas não é um risco real. Porque, no longo prazo, tem resultado.
OP– O cearense já percebeu isso?
Bar-El – Penso os empresários do Ceará ainda não entenderam muito bem. Vou dar um exemplo. Falei com uma grande empresa daqui – que não vou falar o nome porque não sei se eles querem – para fazer um projeto de inovação. Eles falaram que iriam analisar, fazer um plano de negócios para saber se iam ganhar dinheiro. Eu falei: “então, nesse caso, não faz nada, porque não tem nenhuma segurança de que vocês vão ganhar dinheiro. Tem mais chances de vocês perderem dinheiro”. É um projeto de inovação, tem risco. Nos negócios normais, você calcula e entra quando sabe que vai ganhar. Na inovação, você tem que tomar esse risco.
OP – Isso se trata de uma cultura de curto prazo? Se eu não vejo retorno imediato, eu não aposto…
Bar-El – Sim, exatamente. Com esse pensamento, não vai dar certo. Estamos tentando convencer os empresários. Li um artigo sobre quem é um bom inovador. Se você analisa bem os dados antes de tomar uma decisão, você não é bom para a inovação. Uma pessoa que tem que calcular tudo, observar os detalhes, não vale para inovação. Vale quando o produto está desenvolvido, mas para desenvolver a ideia não.
OP – Nos quatro anos de trabalho com a Fiec, o senhor viu alguma evolução?
Bar-El – Estão acontecendo muitas coisas e o mais importante é um diálogo maior entre universidades e indústria. Ainda hoje, tem uma diferença muito séria entre a cultura da universidade e a cultura dos empresários. A universidade quer criar e publicar, o empresário quer ganhar dinheiro. Um dos instrumentos importantes para esse relacionamento é compensar com dinheiro o pesquisador da universidade. O pesquisador chega a uma ideia brilhante em colaboração com a indústria, o empresário ganha um dinheiro enorme e o pesquisador não. Por quê? Em Israel, eles mudara a lei. Tem um mecanismo para distribuir o que é ganho entre empresário, universidade, departamento da universidade e o pesquisador. O exemplo é o instituto Weizmann que tem uma parceria com a Teva (farmacêutica israelense). A Teva, até hoje, ganha muito dinheiro com uma pesquisa dessa parceria. E o pesquisador ganhou muito dinheiro, ele nem precisa trabalhar mais se não quiser.
OP – Como os empresários receberam esse projeto?
Bar-El – Foi um problema sério. Fizemos uma sondagem nas empresas e vimos que todos querem inovar. Ainda mais os jovens e as pequenas empresas. Isso é importante: as inovações chegam das pequenas e médias empresas. As grandes empresas não inovam, elas fazem inovação incremental, melhorando uma coisa ou outra. A ideia revolucionária vem das pequenas empresas, das que ainda não estão fechadas em uma ideia concreta. Os empresários têm vontade de inovar, mas sabem que a comunicação entre eles e a fonte da inovação, que são as pesquisas, é muito fraca.
OP – Isso é uma realidade mundial?
Bar-El – Isso é em todo mundo, mas o mundo que avança é o que consegue essa comunicação. Todos os empresários, todos os pesquisadores, nessa sondagem, falam que o problema é a falta de comunicação entre empresa e academia. Na Fiec, a primeira coisa que fizemos foi a criação de um conselho incluindo os três: universidade, empresas e Governo. Foi estranho para mim que muitas das pessoas que se reuniram lá se encontravam pela primeira vez. Como isso? Agora começa um novo diálogo, mas ainda existe uma diferença entre eles. Em Israel, no currículo de cada curso que envolve inovação, tem professores que são da indústria, que não são acadêmicos.
OP – No Brasil, o professor de uma universidade federal, por exemplo, não pode estar dentro da empresa. Ele precisa ter dedicação exclusiva. Isso é uma evidência do abismo?
Bar-El – É o que eu falei. Precisa de uma compensação financeira. Você pode pagar para o professor dar uma palestra para os empresários, ou o contrário, o empresário ir à universidade.
OP – Tem dias empresas no Ceará com uma chamada para projeto de inovação aberta. Isso é o começo?
Bar-El – São dois pilotos que estamos lançando, com a Biomátika e a Esmaltec. A base da ideia é que o conhecimento para inovar não é limitado à cabeça das pessoas que estão nas empresas. Essas pessoas têm pensamento voltado às necessidades da empresa, o que dificulta a inovação. O processo de inovação aberta é feito em todo mundo. No Brasil, tem a Natura. No nosso projeto, a chamada é para tudo, qualquer ideia, para todo mundo.
OP – A inovação é uma demanda do consumidor?
Bar-El – Tem uma versão de inovação que nasce da demanda, que varia de acordo com a necessidade, como um carro de maior qualidade. Com o nível econômico avançado a demanda cresce e, assim, tem que inovar para atender. Outra coisa importante é que tem inovação que não está relacionada com a demanda, é a inovação que resulte na oferta. Você não acha necessidade, mas alguém pensou. Alguém tinha necessidade de um telefone? Agora, todo mundo tem. Se o consumidor não está disposto à inovação, o produto é um fracasso.
OP – Qual o papel das ciências humanas nesse processo de inovação?
Bar-El – Quando falamos com Governo, empresários e acadêmicos, muitas vezes eles falam que não tem muitos doutores. Mas doutores não são necessidade básica para inovação. Muitas pessoas que têm sucesso em inovação são filósofos, são pessoas da área de literatura. Para pensar o que ninguém pensou, não é necessário ser doutor.
OP – A gente supervaloriza o diploma e a formação acadêmica?
Bar-El – No assunto da inovação sim. Por isso que, quando falamos com a Biomátika sobre inovação aberta, eles perguntaram se a chamada era para as universidades. E nós dissemos que não. A inovação chega mais de estudantes que de professores por exemplo. Não é que o conhecimento acadêmico não seja necessário. Ele é necessário para construir uma ideia. Para pensar numa nova necessidade ou uma solução para um problema antigo, não é necessário conhecimento acadêmico. Qualquer pessoa pode.
OP – Temos gestão para acompanhar o processo de inovação? Há um processo novo ou se mantém antigo?
Bar-El – A inovação pede um tipo de gestão completamente diferente do que sabemos até agora. Numa empresa regular, as decisões são tomadas na cabeça do empresário. Na inovação é completamente diferente, porque ele não pode ser fechado na empresa. Porque depende também do Governo, do conhecimento que chega da academia e de outros lugares.
OP – Então é mais difícil administrar ideias?
Bar-El – Quando uma ideia chega na cabeça de um gênio, se ele for administrar tudo, não vai dar certo. Porque esses gênios não sabem administração. Nunca uma boa ideia vai ser bem sucedida por uma pessoa. Há necessidade de colaboração. Por isso, na gestão de inovação, estão envolvidos novos esquemas de administração. Em quase todos os casos, a pessoa que inventou não dirige a empresa. Tem que saber onde conseguir dinheiro, onde buscar apoio, onde colocar seu produto. E a pessoa que inventou não sabe nada disso. Se ela quiser continuar com a ideia, ela precisa de suporte. Só se, por acaso, esse gênio for também um gênio da administração. O que não acontece. Porque esses gênios não são organizados.
OP – O senhor fala que o papel do Governo é financiamento. Mas, no Brasil, chega a sobrar dinheiro nos fundos para inovação.
Bar-El – Esse é um problema bastante sério, que não existe em lugar nenhum do mundo. Há muitos editais, mas os empresários não mandam propostas. Ou porque não sabem como preparar uma proposta, ou porque eles não respondem às necessidades dos empresários. Aí os editais vão para as universidades, só que isso não ajuda no crescimento econômico. É uma certa burocracia e uma organização gerencial ainda não completamente adequada. Precisa incentivar a colaboração.
OP – O senhor fala que ainda há entraves para a inovação em Israel. Quais?
Bar-El – Os fracassos são sempre um grande problema (risos). Não posso dizer falta de financiamento porque, hoje, eles já existem. Muita gente fala do problema da Educação. O nível de educação é muito alto, mas os investimentos estão diminuindo. Isso pode ser um problema para inovação no futuro. Outro problema muito sério é a saída de cientistas do País, para a Europa para os Estados Unidos. Os vencedores de prêmios Nobel já estão todos fora de Israel.
OP – Por quê?
Bar-El – Para ganhar mais dinheiro. Falamos em compensação. Se você tem uma boa cabeça, tem que pagar proporcional à contribuição dela. O sistema em Israel ainda é reduzido com relação aos Estados Unidos. Lá, uma grande universidade, um grande empresário, pode pagar um salário melhor. Entre escolher uma universidade em Tel Aviv ou Harvard… É muito simples. Tel Aviv é uma boa universidade, mas não é Harvard. Não paga como Harvard.
OP – Como ser israelense, viver em Israel?
Bar-El – É um problema grave (risos). Não, não. A vida é muito boa – apesar do calor. A maioria da população tem um nível de vida muito bom, mas o percentual de pessoas definidas como pobres está muito alto. Não como no Brasil, mas em relação ao que acontece na Europa e nos países mais desenvolvidos. Hoje, 20% da população de Israel é considerada pobre. O pobre em Israel não é como no Brasil, não passa fome. Isso existe, mas muito pouco. A pobreza em Israel é definida em termos relativos. Se você tem a metade do salário médio, dividido pelo número de pessoas na família… Israel está considerando isso como um dos problemas mais importantes a resolver.
OP – E tem a questão política…
Bar-El – Tem o problema político e de segurança. Ninguém sabe como será resolvido o problema com os palestinos. Tem faixas muito extremistas em Israel e na Palestina. São minorias, mas que influenciam mais que a minoria silenciosa. Está criando uma tensão bastante alta.
OP – Isso mexe no cotidiano de vocês?
Bar-El – Sim. Encontrei com um amigo que está num sabático. Ele disse que a melhor coisa que acontece nesse período é não ter que ouvir as notícias de Israel. Essas coisas influenciam a atmosfera. Mas você se acostuma. Tem que viver, mas você vive sem saber o que vai acontecer. A violência urbana aqui parece mais séria que a violência em Israel. Em Israel é um risco no futuro, aqui é real, no dia a dia. Um problema sério em Israel, que agora não existe, mas acontece de vez em quando, é o terrorismo. Quando acontece o terrorismo, você tem tensão constante. Se você deixa sua bolsa aqui do lado, dentro de cinco minutos, toda a polícia chega. No passado tinha terrorismo o tempo todo, nos ônibus, aeroporto.
OP – Seus filhos vivem em Israel?
Bar-El – Sim. Meu filho trabalha com segurança da informação e fica muito tempo fora do País. Ele pode facilmente sair, fica viajando para a Coreia, Estados Unidos. Muito facilmente podem comprar ele para fora. Outra vez: a saída de pessoas com conhecimento do País. Para ele, o problema de sair é que, em Israel, ele tem um papai para cuidar dos netos quando ele viaja. Se ele sair, quem vai cuidar? (risos) Minha filha trabalha na televisão, mas não pensa em sair do País.
OP – O judaísmo é mais que uma religião. Mas como a religião judaica permeia a vida em Israel?
Bar-El – Os israelenses são menos religiosos que os cearenses. Há bastante religiosos em Israel, mas não é a maioria. Eles acreditam em Deus, fazem o mínimo necessário, mas não se consideram como religiosos. O problema é que tem uma parte de extremistas. Eles não participam do exército, ficam nos assuntos religiosos, não trabalham.
OP – Qual sua relação com o Estado de Israel? O sionismo é um traço forte no país?
Bar-El – A relação dos judeus com Israel ainda tem influência muito forte do holocausto. A ideia é de que os judeus têm que viver em seu próprio país e não depender de outros. O anti-semitismo existe hoje como naquele tempo. Pode entrar em vários países da Europa e ver que o anti-semitismo está vivo. Então, muitos israelenses acham que tem que viver lá. Que o país é onde você pode viver. Este tipo de sionismo existe. Claro que tem gente que pensa que o território é nosso, terra de nossos ancestrais. Esses criam problema porque querem ficar também nos territórios ocupados. A maioria não pensa assim. Isso é minha opinião. O fator mais relevante é o sentimento de que você tem que viver onde você é dono da sua vida.
OP – Esse apego ao território, ao Estado, contribuiu para o desenvolvimento?
Bar-El – Sim, completamente. Tem um líder da administração, Michael Porter, que diz que você se desenvolve quando tem um problema. Israel não tem nada. Não tem terra, não tem água, não tem petróleo. Então tem que desenvolver alguma coisa. Como nós temos cabeças, desenvolvemos coisas.
OP – O senhor ainda tem relações com o Governo de Israel?
Bar-El – Eu fui chefe da autoridade de planejamento econômico de Israel, entre 1993 e 1996. Sempre tem um relacionamento casual, com discussões, pesquisas. Por exemplo, há dois anos tem um projeto do Ministério da Indústria para ajudar na inovação das médias e pequenas empresas. É um relacionamento acadêmico.
Fonte: O Povo