Desde criança, Bella Masano, a caçula da família, frequentava o restaurante de seus pais, o Amadeus, uma das mais renomadas casas dedicadas às receitas de peixes e frutos do mar de São Paulo, como se fosse a sala de jantar de sua casa. Assim que terminou de cursar Hotelaria no Senac e enquanto ainda cursava Turismo na Escola de Comunicações e Artes, da USP, foi passar uns meses em Paris, onde fez o curso de cozinha no Cordon Bleu. Ao retornar ao Brasil, começou a ajudar na cozinha de restaurante e a dar uns palpites no cardápio, e de lá nunca mais saiu.
Como foi se tornar chef do restaurante de seus pais?
O Amadeus tem 27 anos e começou com um sonho dos meus pais, Tadeu e Ana; era a extensão da nossa sala de jantar. Cresci dentro do restaurante, mas não pensava em me envolver profissionalmente. Passei parte da adolescência pensando em ser médica. E, quando entrei na faculdade, minha intenção era trabalhar com planejamento turístico. Comecei a ajudar minha mãe no Amadeus depois de uma temporada na França, onde fiz o curso de cozinha no Cordon Bleu. Não fui estudar fora para me tornar chef, apenas gostava de cozinhar. Na volta, comecei a dar uns palpites no cardápio e fui me envolvendo de maneira muito natural. Eu é que nunca tinha me dado conta de que a gastronomia já estava tão presente em minha vida. Mas o Amadeus já era um restaurante consagrado. Eu tinha apenas 20 anos e sabia que tinha que agir com cautela, pois não havia espaço para erros. Fui implementando as mudanças aos poucos, imprimindo de forma gradual meu estilo no cardápio do Amadeus.
Entre as poucas casas dedicadas às receitas de peixes e frutos do mar de São Paulo, o Amadeus conseguiu uma vitória. Vai completar 28 anos, com uma qualidade surpreendente elogiada por frequentadores e pela mídia. Qual o segredo desse sucesso?
O grande pilar do Amadeus é a valorização da matéria prima, e tenho certeza de que este é um dos grandes segredos do sucesso. Também vale destacar que nosso restaurante nasceu de uma paixão pela cozinha, da vontade de receber cada cliente como se fosse um amigo. A figura da minha mãe é e sempre foi muito importante, pois ela sempre esteve à frente de tudo, cuidando pessoalmente de cada detalhe.
Como inovar nas receitas, sem perder “a cara” do restaurante?
Os frutos do mar são as grandes estrelas do nosso cardápio. Sempre buscamos trazer novas técnicas de cocção, outras combinações e apresentações, sem nunca perder de vista quem são os verdadeiros protagonistas. Trabalhamos incessantemente em busca dos melhores produtos e procuramos receitas capazes de valorizá-los.
Você esteve recentemente em Israel. O que achou do país? E da gastronomia? Criou ou pretende criar alguma receita inspirada no país ou com temperos do Oriente Médio?
Viajei a Israel no inicio do ano, em um programa da Universidade de Tel Aviv cujo foco era o empreendedorismo. Já fazia muito tempo que eu tinha vontade de ir a Israel e esta foi uma oportunidade maravilhosa de conhecer o pais sob esta ótica. Israel é uma referencia quando se fala em inovação. Tive a oportunidade de conhecer diversas empresas e também de mergulhar um pouco mais na cultura israelense. Tudo isso só me deixou com a certeza de que preciso voltar a Israel – para conhecer melhor o lugar e a cultura, e para comer mais. É uma cozinha muito rica e muito inspiradora.
Quais as diferenças que você sentiu no ambiente de uma universidade israelense, comparada com as congêneres brasileiras? O que você teria a recomendar para a melhora de nosso padrão de ensino, mediante o que viu em Israel?
A referência que eu tive lá foi a Universidade de Tel Aviv, cuja estrutura é incrível. Me encantei com o envolvimento da comunidade com a Universidade, gostaria muito que nossas universidades tivessem algo semelhante. Eu participei do encontro dos Amigos da TAU e pude ver pessoas do mundo todo vindo a Israel para participar do evento. Na ocasião, acompanhei a entrega do Prêmio Honoris Causa ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que não faz parte da comunidade judaica, mas teve o reconhecimento da Universidade por sua importância como líder e por todo o seu legado. Me alegrou muito ver que a busca e a valorização do conhecimento transpõem as barreiras religiosas.
Você trouxe alguma inspiração para o cardápio?
Os aromas do shuk, assim como tahine fresquinha e algumas especiarias vieram na bagagem. Mas a referência gastronômica mais forte dessa viagem é a mesa farta, repleta de itens a serem compartilhados. Uma forma de comer e compartilhar que me agrada muito! Também conheci melhor alguns dos vinhos produzidos nas colinas do Golan. Foi uma delícia, pena não ter tido tempo para uma incursão gastronômica mais aprofundada.
E no Brasil, como você vê a área de gastronomia no país?
Sem dúvida o mercado gastronômico no Brasil se transformou completamente nos últimos anos. Hoje temos a valorização do profissional desta área e também um maior profissionalismo com a abertura de vários cursos. Estamos vivendo um momento muito especial. Finalmente estamos começando a valorizar a diversidade que existe em nosso país, refletir sobre a nossa identidade e procurar caminhos para mostrar as nossas riquezas ao mundo. E estamos sendo reconhecidos por isso. Precisamos saber aproveitar essa oportunidade.
Quais dicas você daria a um jovem em início de carreira com interesse pela área de gastronomia?
Além de buscar uma formação sólida do ponto de vista técnico, acho imprescindível conhecer bem o seu entorno. No Brasil, temos uma diversidade de biomas e culturas a serem explorados. Creio que deve mergulhar em busca daquilo que o apaixona, descobrir seu estilo; uma cozinha precisa ter alma.
Além disso, no dia-a-dia, é importante que a pessoa esteja disposta a se doar. Não adianta apenas gostar de cozinhar.
Ao longo de sua carreira, qual foi seu maior desafio?
Acho que o maior desafio está em conseguir se superar a cada dia, buscando alternativas para melhorar a qualidade do que servimos. Toda a parte de “bastidores” ligada ao abastecimento é um desafio diário, e boa parte da nossa energia está concentrada aí.