De engenheira química a presidente de uma companhia de aviação

Claudia Sender fala dos desafios de  dirigir a LATAM, com mais de 26 mil funcionários espalhados em 46 aeroportos no Brasil e outros 24 no exterior

 

Liane Gotlib Zaidler  – Para a Câmara Brasil-Israel de Comércio e Indústria

 

  1. Como uma engenheira química foi parar na presidência de uma empresa de aviação?

Escolhi Engenharia Química porque esta área tem um potencial transformador tremendo, aliando uma necessidade de planejamento intensa à excelência de execução. Quando ainda cursava o 4º ano da faculdade, fui aprovada em dois projetos de trainee e fiquei em dúvida se entrava na área química ou se aceitava uma vaga na consultoria Bain & Company, que estava abrindo escritório no Brasil.

Na época, um amigo disse algo que utilizo até hoje na hora de fazer escolhas: ‘por que não buscar um aprendizado novo? Você terá muitas oportunidades de exercer a química, mas o estágio é um momento para você testar e aprender sobre outras coisas’. Foi o que fiz, e assim iniciei minha carreira no mundo de negócios.

Depois, optei por trabalhar em uma grande empresa, atuando na área de planejamento estratégico da Whirpool Latin America. Após passar por diversas áreas, cheguei a ser vice-presidente de Marketing. Fiquei sete anos na Whirpool, e consegui ter uma “visão 360º” de uma grande empresa.

Quando cheguei à TAM, no final de 2011, vim para planejar e definir estratégias para consolidar a nossa posição no mercado, aumentando a lucratividade no Brasil e no exterior.

Depois criação do Grupo LATAM, assumi a Vice-Presidência da Unidade de Negócios Doméstica Brasil e, em maio de 2013, fui escolhida para ser presidente da LATAM no Brasil pelo meu histórico de resultados e estratégias de longo prazo.

A habilidade de trabalhar com muitas pessoas diferentes também pesou bastante. Eu me preparei para uma carreira executiva, e minha passagem pelo mercado de bens de consumo demonstra que o meu foco sempre foi o cliente. Na LATAM não é diferente.

 

  1. Quais as principais lições para as mulheres que querem alcançar um cargo de liderança? 

As lições variam muito dependendo da estrutura familiar, formação, área de atuação, entre outros fatores. Sem dúvida, há uma exigência relacionada ao mito da super-mulher, aquela que deve ser uma super-profissional, super-mãe, super-esposa e super-filha.

Temos muito para avançar ainda, porque a real emancipação feminina passa pela conscientização masculina também. Não adianta a mulher sair de casa se o homem não entrar. Para que a mulher se sinta à vontade de desempenhar seu papel fora do lar, um espaço tem de ser preenchido. Para isto, é fundamental ter um parceiro compreensivo e participativo.

O mais importante é que nenhum obstáculo resiste à competência. Se você mostrar para as pessoas que está preparada para o trabalho e que tem humildade de reconhecer os pontos nos quais você ainda precisa aprender e trabalhar em conjunto para alcançar sempre a melhor solução, e não a solução de um, mas de todos, as pessoas se sentem engajadas a trabalhar juntas.

 

  1. Como é seu dia de trabalho?

Dirigir essa companhia é um desafio cotidiano de grande magnitude. São mais de 26 mil funcionários espalhados em 46 aeroportos no Brasil e outros 24 no exterior. Uma empresa líder do mercado brasileiro, num setor complexo, em meio à construção da LATAM. Minha missão inicial na LATAM no Brasil consistiu em construir uma visão estratégica focada no cliente, voltada para a eficiência e retomar a rentabilidade da companhia.

Isto torna meu dia a dia muito diverso. Aqui não tem rotina!

 

  1.  Com o novo governo Temer, muito foi-se especulado sobre possíveis mudanças na regulamentação do setor aéreo brasileiro, como por exemplo a medida provisória em tramitação que eleva de 20% para 49% o limite de capital estrangeiro em empresas brasileiras. Quais as medidas necessárias para o setor aéreo ganhar competitividade nos mercados globais?

O capital estrangeiro nas companhias aéreas pode ser muito favorável, pois esse é um setor que exige capital intensivo, muito caro no Brasil. Essa medida estimula o crescimento, gerando riqueza para o nosso país.

A aviação no Brasil não pratica o mesmo padrão de custos dos outros mercados aéreos do mundo. Para assegurar a competitividade das nossas empresas aéreas, seria necessário revisar taxas e tarifas de operação, conexão e navegação, o modelo de precificação do QAV (querosene de aviação) e a incidência do ICMS sobre o combustível, a parametrização dos reajustes de tarifas aeroportuárias e as regulamentações de algumas obrigações.

Hoje, por exemplo, somos o único país no mundo em que a empresa aérea é a responsável por indenizar o passageiro por impactos operacionais decorridos de razões meteorológicas. Se uma chuva provoca o fechamento de um aeroporto e impactos nos voos, somos obrigados a providenciar hospedagem, comunicação e alimentação. A Resolução 141, que não tem nenhum paralelo ou base comparativa em todo o mundo, provoca distorções na aviação brasileira e gera custos para as companhias e todo o sistema aéreo nacional.

 

  1. Quais os desafios de sustentar e evoluir uma marca como a LATAM, uma das mais valiosas no setor aéreo nacional?

Estamos evoluindo para uma nova marca, a LATAM Airlines, que é fruto da nossa visão de unir o melhor da TAM e o melhor da LAN em nova identidade que representa a América Latina. A LATAM vai oferecer ao passageiro uma nova experiência de viagem, o que já é um desafio enorme.

A adoção da nova marca será gradual e a evolução completa de TAM e LAN para LATAM Airlines acontecerá em aproximadamente três anos.

Nessa direção, o Grupo LATAM Airlines apresentou, no final de abril de 2016, o novo design dos seus aviões em eventos simultâneos nos países onde o Grupo opera ao redor do mundo. Além de uma nova imagem LATAM para a frota de aeronaves, a companhia apresentou novos elementos que começaram a ser visíveis a partir do último mês de maio, como os uniformes de seus funcionários, a nova sinalização nos aeroportos, os balcões que recebem os passageiros nos aeroportos, e o novo site (www.latam.com).

 

  1. Como vocês estão sentindo os reflexos da crise econômica e quais estratégias a TAM vêm adotando para superar a atual crise?

O setor aéreo brasileiro passa por um momento decisivo. A recessão e a instabilidade macroeconômica afetam muito o segmento.

Segundo a ABEAR, Associação Brasileira das Empresas Aéreas, o desaquecimento do mercado de transporte aéreo no Brasil já dura nove meses e a aviação doméstica recua a níveis de 2012. A demanda consolidada por viagens domésticas teve redução 12,2% em abril ante o mesmo mês do ano passado. A estatística representa uma aceleração em relação à queda apurada em março (-7,3%) e completa um período de nove retrações seguidas. Em termos absolutos, este mês de abril caracterizou-se como o pior desempenho mensal da demanda doméstica desde fevereiro de 2013, e o pior desempenho do indicador para um mês de abril desde 2012.

Diante deste cenário, o Grupo LATAM Airlines anteviu a retração da demanda e fez o movimento de corte da capacidade ao reduzir a oferta no mercado doméstico brasileiro em 2,5% em 2015.  Em 2016, seguiremos conservadores na oferta de voos domésticos no Brasil para enfrentar os desafios do cenário atual no país. Nossa capacidade deve sofrer uma redução de 10% a 12% na oferta total de voos no mercado brasileiro em 2016 comparado ao ano anterior. Com isso, ainda não prevemos uma recuperação de mercado, mas vislumbramos chances de recuperação em 2017, sobretudo pela base de comparação anual favorável com relação a 2016.

Nossa prioridade é manter a solidez e longevidade da companhia a longo prazo. Isto só se dá se conseguirmos atender às necessidades de nossos clientes e seguir honrando nossos compromissos financeiros. Desta forma, a eficiência em preço, custos e fidelização do passageiro devem basear as nossas ações e estratégias. Para sermos competitivos em custos, deveremos priorizar ainda mais as rotas onde há demanda. Para tanto, seguiremos avaliando constantemente a nossa malha aérea. Adicionalmente, para que o cliente continue a voar conosco, também teremos de garantir que cada passageiro seja muito bem atendido em todos os pontos de contato com a empresa, desde o momento da busca pelo bilhete aéreo até a chegada ao seu destino final.

 

  1. Como você avalia a situação dos Aeroportos brasileiros?

A LATAM entende que é fundamental o Brasil investir em infraestrutura para vislumbrar um novo ciclo de crescimento, com competitividade para suas empresas e toda a indústria aérea nacional.

Os gargalos em infraestrutura prejudicam diretamente a competitividade das nossas empresas e refletem a necessidade urgente de modernizar portos, aeroportos, rodovias, ferrovias e matriz energética.

No caso dos aeroportos, está comprovado que houve melhora nas condições e estruturas dos aeroportos concessionados, e é preciso avaliar no médio prazo essa evolução. Aeroportos como o de Guarulhos, por exemplo, atravessaram longos períodos sem investimento antes da concessão, enquanto o movimento de passageiros triplicou na última década.

Sem infraestrutura, a atratividade e potencial para promover um novo ciclo de desenvolvimento ficam muito prejudicados e retardam a retomada de crescimento do país.

 

  1. Como foi a participação da TAM como uma das principais empresas patrocinadoras da Olímpiada e da Paralímpiada?

A LATAM Airlines Brasil foi a companhia aérea oficial dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 e apoiadora oficial do Revezamento da Tocha Olímpica Rio 2016. Já a LATAM Travel, no Brasil, foi a operadora de turismo e a única distribuidora dos pacotes hospitality.

 

A LATAM se preparou para o desafio olímpico, que foi único e ainda maior do que a Copa de 2014 devido à concentração da demanda e a alta complexidade logística. Começamos a nos preparar em junho do ano passado para agilizar o atendimento dos atletas, cuidar dos clientes paralímpicos, acomodar cargas aéreas especiais e coordenar embarques e desembarques massivos, simultâneos e concentrados em uma única cidade.

Investimos cerca de R$ 20 milhões nessa operação olímpica, sendo R$ 15 milhões para as ações operacionais especiais e R$ 5 milhões para o atendimento de contingências durante o evento. Preparamos um conjunto de mais de 100 ações operacionais especiais para atender com eficiência os espectadores e as delegações.

O foco principal foi a operação com pontualidade e segurança nas datas-chave dos jogos.

 

  1. Qual legado gostaria de deixar em sua gestão na TAM?

Minha missão inicial na TAM consistiu em construir uma visão estratégica focada no cliente, voltada para a eficiência e retomar a rentabilidade da companhia.

Hoje, o nosso grande desafio, além de criar um novo ciclo de crescimento e de superação das incertezas no Brasil, consiste em consolidar no país a nossa nova marca única, a LATAM, fortalecendo essa liderança na América Latina e cumprindo a nossa missão de conectar as pessoas, de fazer com que os sonhos sempre cheguem ao seu destino.