Ben Harel: “um ecossistema não se constrói por revolução, mas por evolução”

Empreendedor de tecnologia, investidor e conselheiro da maior empresa de saúde de Israel defende o papel do poder público como indutor de um ambiente de inovação.

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Um país criado por decreto da ONU no pós-guerra, que tinha uma população de 700 mil pessoas há 70 anos, se consolidou no início do século XXI como o segundo maior polo de tecnologia e inovação do planeta. Israel, a “nação das startups”, tem sido cada vez mais um objeto de estudo e também uma oportunidade de negócios para empreendedores e agentes públicos de Santa Catarina, interessados em entender como o país do Oriente Médio construiu uma cultura de inovação que só não é maior que o Vale do Silício: são mais de 5 mil startups e 350 centros de pesquisa de empresas multinacionais em um país de 8,7 milhões de habitantes.

Após diversas missões empresariais catarinenses ao país, começam a surgir novas iniciativas para criar um intercâmbio de conhecimento e negócios entre SC e Israel. Um exemplo foi a vinda de Ben Harel, empreendedor e conselheiro da Clalit Health Services (maior organização de saúde do país), a Tubarão e Florianópolis nesta semana. Ele ficou por uma semana na cidade conhecendo as iniciativas locais para criar um ecossistema de inovação direcionado à área de saúde, conversar com lideranças e empresários e ver oportunidades de negócio e também apoio a educação empreendedora no sul de Santa Catarina. Na quinta, ele participou de um evento na Associação Catarinense de Medicina, na Capital, e conheceu alguns centros de inovação e empresas da cidade.

Egresso do setor de software, Ben vendeu sua empresa de games para a japonesa Konami, foi executivo nos Estados Unidos e, nos últimos anos, tem atuado como investidor, mentor e membro do conselho da Clalit, que gerencia recursos e presta serviços de saúde para 53% da população de Israel. Pela segunda vez no Brasil – a primeira não foi a negócios, mas para curtir o Carnaval nas ruas do Rio de Janeiro, há 30 anos – ele conversou com o SC Inova sobre como seu país criou, em poucas décadas, um impressionante modelo de ecossistema de inovação.

SC INOVA – Israel é uma forte referência para os ambiente de negócios de Santa Catarina, pelo volume expressivo de recursos, novas tecnologias e a cultura de inovação em várias áreas. Como vocês construíram esse ecossistema tão pujante em um pequeno país?

Ben Harel – Bem, você cria um ecossistema ao longo do tempo. Não é de um ano para o outro. Israel é um caldeirão de culturas, pois pessoas de vários países vieram morar em Israel desde 1948 (data de fundação do estado) com mentalidades muito diferentes – naquela época, a população local era de 700 mil pessoas.

O ecossistema de tecnologia, de fato, começou a surgir a partir da década de 1990, a partir de uma nova onda migratória. Nessa época, por causa do colapso da União Soviética, mais de 2 milhões de pessoas vieram para Israel, um terço do total do país. Eram doutores, engenheiros, cientistas, músicos que saíram dos países do Leste Europeu mas que chegaram sem saber falar a língua e não tinham casas. Foi então que o governo de Israel teve que pensar uma nova forma de integrar essas pessoas e o caminho passou pela educação – nosso país tem um ótimo sistema educacional, a Universidade de Haifa é uma das melhores escolas de Engenharia do mundo, além do Whitesman Institute e as universidades de Tel Aviv e Jerusalém. O que trouxe resultado foi a união do “triângulo” envolvendo academia, governo e indústria, que trabalhou em conjunto para formar pessoas, estimular empresas e recursos para pesquisa e desenvolvimento.

O papel do governo nisso foi fundamental: eles disseram, vamos investir dinheiro para criar um ambiente de tecnologia. E propuseram para fundos de capital, se botarmos 20 milhões, vocês gestores colocam mais 20 milhões como contrapartida – não precisam devolver para o governo, mas tem que gerar empregos. a partir disso, surgiram recursos tipo pré-seed capital para investimento em startups e começou a ser criado um pequeno ecossistema há algumas décadas.

Além disso, a experiência obrigatória que todos os israelenses têm no Exército dos 18 aos 21 anos também acaba sendo como uma universidade na prática, pois há muita tecnologia e você pode atuar em diferentes áreas que depois podem servir para o mercado de inovação: cybersegurança, medicina, etc. Muitas pessoas com alta qualificação empreendem ou são empregadas no setor de tecnologia após servir o Exército.

SC INOVA – Israel conta hoje com pelo menos 1500 startups na áreas de ciências da vida e saúde. Como esse setor se tornou tão importante economicamente? Foi por acaso?

Ben Harel – A partir da década de 1990 o governo israelense obrigou a população a pagar uma pequena taxa mensal para ter um plano de saúde – que custa cerca de US$ 40 e garante o atendimento dos cidadãos nos hospitais. O sistema de saúde é excelente e não precisamos gastar muito dinheiro público para mantê-lo: o investimento do governo de Israel na saúde pública representa 7,5% do Produto Interno Bruto. Na Europa, alguns países gastam 14% do PIB. Hoje sou conselheiro da maior companhia de gestão de saúde do país, que cobre 53% da população, mais de 4,5 milhões de pessoas. E os custos para os cidadãos não são altos: você pode agregar planos de saúde suplementares, que cobrem cirurgias até fora do país, pagando mais U$ 20 por mês. Com esse cenário, o ecossistema de tecnologia tem na área de saúde muitas oportunidades para desenvolver pesquisas e inovações.

SC INOVA – O que você conhece dos esforços do Brasil e de Santa Catarina para criar ecossistemas e o que a experiência de Israel pode nos ensinar?

Ben Harel – Queremos apoiar empresas catarinenses e brasileiras inovadoras com mentorias de especialistas, mas também podemos fazer negócios, trocar ideias com os governos. Eu vim a Santa Catarina para entender e ajudar. Nos últimos anos estamos tendo uma relação mais próxima, Brasil e Israel, e há oportunidades para ambos os lados. Fui convidado para falar aqui sobre o nosso ambiente de empreendedorismo inovador, então quero ajudar a trazer educação empreendedora, algo que não se ensina em sala de aula, mas na vida prática. Um ecossistema não se constrói por uma revolução, mas sim com evolução.

E parte dessa evolução passa pelo papel dos governos, do poder público em colocar sementes, reduzir impostos para incentivar empresas, investir dinheiro em pesquisa e desenvolvimento, além de trabalhar em conjunto com o mercado e os empreendedores.

Reportagem: Fabrício Rodrigues / SC Inova